7 de outubro de 2015

CORVO, the black


A minha experiência açoriana no Corvo não pode ser resumida numa lista de dicas. Talvez por ter sido ainda a minha primeira visita, fui verdadeiramente surpreendida. 
As vistas são de cortar a respiração, a vila é pitoresca, claro, a insularidade sente-se, mas o isolamento, totalmente ao contrário do que eu esperava, sinceramente não. As pessoas que encontrámos são inexplicavelmente acolhedoras e concluí que encontro mais isolamento humano entre as pessoas do meu prédio onde vivo há 5 anos, do que encontrei em 2 dias na ilha do Corvo no meio de desconhecidos. Dá para perceber?
* * *

Chegamos ao Corvo no barco Ariel, uma lancha de 12 lugares que no Verão faz a ligação diária com a ilha das Flores. 

Este não é o modo mais usado pelos visitantes para chegar à ilha mais pequena do arquipélago. A maior parte dos visitantes chega ao Corvo de avião, na SATA, ou em one day tours programadas desde as Flores que incluem a travessia em semi-rígido, visita à Vila do Corvo, fotografia no Caldeirão e alguns casos, exploração de grutas na costa da ilha. Estes tours mostram os higlights do Corvo mas não são a melhor opção para quem quiser fazer trekking na ilha, ou passar lá uma noite.

Vamos no Ariel mas também não é muito rápido ou fácil. No porto de Santa Cruz das Flores, de onde sai a lancha, não existe bilheteira, muito menos lugar para deixar mochilas, para isso contamos com a simpatia das pessoas que só encontramos nestas paragens. Os bilhetes compram-se na internet ou no RIAC, uma espécie de loja do cidadão açoriana onde se trata de tudo, mas cujo horário de funcionamento é reduzido no Verão. 
E depois, há os cancelamentos devido a mau tempo.

Não precisa de ser um tsunami: ventos fortes, ondulação, correntes marítimas, ou algo que dificulte e aumente significativamente o tempo de navegação é motivo de cancelamento do Ariel. 

O mar dos Açores não é para meninos, nem é propriamente o estuário do Tejo, por isso a travessia Flores-Corvo foi tudo menos sossegada. Pude inclusivamente perceber porque o Ariel, com os seus vidros com poucas aberturas e com o acesso ao exterior pouco recomendado pela tripulação, me pareceu uma espécie de híbrido entre uma lancha e um submarino.
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O Corvo tem 17km2 e toda a ilha corresponde a um vulcão com uma caldeira no topo, a que chamaram Caldeirão.
Os pouco mais de 400 residentes corvinos vivem na Vila do Corvo, implantada numa fajã lávica, que constitui a principal superfície plana desta ilha-vulcão.

É fantástico chegar de barco e sentir que a Vila nos vai abraçando empoleirada na escarpa. 


Tínhamos um quarto marcado na Vila do Corvo. A Vila é muito pequena e perfeitamente percorrível a pé mas o nosso anfitrião faz questão de nos enviar uma boleia ao cais. 
Apesar da ilha ter apenas 20km de estrada, e sua estrada mais comprida (a estrada do Caldeirão) ter apenas 8km, reparamos que toda a gente faz questão de nos dar boleia para todo o lado.

O mesmo se passa à noite quando, depois de jantarmos num dos 2 restaurantes da ilha, perguntamos ao senhor do restaurante onde fica a queijaria. Quando ele nos começa a explicar, um outro senhor que lá estava sentado a ver TV, acaba a cerveja de penalti, levanta-se e diz “Venham daí, eu levo-vos lá!”. Para além disso, não descansou enquanto não tocou à campaínha do senhor do supermercado, que entretanto tinha fechado e que rapidamente voltou a abrir para comprarmos 1L de leite. 
De sorriso aberto.

No Corvo é assim. Ninguém se isola na sua ilha pessoal.


À noite vai choviscando mas aproveitamos para dar uma volta na Vila e no seu entrelaçado de ruas estreitas. No Largo do Outeiro os habitantes juntam-se nos degraus de pedra para partilhar episódios do dia-a-dia.

Ainda encontramos as fechaduras de madeira, sem chaves nem trancas, símbolos de uma vida em comunidade, onde todos se conhecem.



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No dia seguinte oferecem-nos boleia, uma vez mais, desta vez para o Caldeirão, o ex-libris paisagístico da ilha.

O nosso motorista conta-nos que viveu 20 anos nos Estado Unidos mas regressou com a família para a ilha do Corvo porque aqui é que é a sua casa. Conta-nos também que já há alguns dias que as nuvens não deixam ver o Caldeirão, mas que hoje ia ser uma dia de sorte.


À medida que subimos reparo nas pastagens verdes, a vegetação é rasteira e levantou-se um vento forte. 
Mesmo antes de ficarmos sem rede, a meio da subida, recebo uma chamada: a nossa viagem de volta às Flores ao fim da tarde tinha sido cancelada e o barco Ariel só voltaria a navegar dali a 2 dias… Dia de sorte?

Mas quando finalmente chegamos não tenho a mais pequena dúvida: sou uma das pessoas mais sortudas do mundo. Do miradouro observamos a vastidão da paisagem e a imensa cratera de 2,3 quilómetros de diâmetro e 300 metros de profundidade, apresenta-se como uma das paisagens mais arrebatadoras e remotas que já vi. 






A caminhada dentro do Caldeirão está bem assinalada. São 4.8km e 2h30 de duração, aproximadamente.

Somos só nós e a Natureza.

Mais tarde, de volta à vila, vemos o barco Ariel varado no cais e a tripulação no convívio no café dos bombeiros. É certo que não vão voltar para o mar hoje.

O mar parece calmo, mas o vento continua forte.


Conseguimos bilhetes de avião para o vôo diário da SATA. Vai para Ponta Delgada mas faz escala nas Flores e na Terceira.

Enquanto esperamos pelo avião, visitamos os antigos moinhos de vento e a Praia de areia do Corvo. É a nossa sala de espera.




Nós e algumas pessoas vamo-nos juntando nuns bancos de pedra do lado de fora da pista. 
Não há nada que fazer por isso as pessoas vão trocando vários factos e fazendo comentários sobre o aeroporto e os aviões que ali aterram: que a pista só tem 800m, que o avião tem 37 lugares, que não é normal mas que hoje vem atrasado, que é difícil aterrar no Corvo por causa dos ventos, que ali não há margem para erros... e também ouvimos alguns risinhos nervosos de quem está ali para apanhar o avião.

Eventualmente a SATA surge no meio das nuvens ao longe. 
Entre rabanadas de vento mais ou menos fortes vemos o avião fazer a sua aproximação quase até tocar no chão e levantar vôo outra vez. 
Mas à segunda tentativa quando finalmente aterra em menos de meia pista, toda a gente à nossa volta bate palmas e lança “vivas!” de alegria.

Os comentários agora são outros: "Os pilotos da SATA são os melhores do mundo!"


Dali a meia hora deixo o Corvo num aviãozinho de 37 lugares, de coração cheio, do privilégio que foi conhecer esta gente valente que me fez lembrar o que é mesmo importante na vida: estarmos em contacto e alegrarmo-nos com as pequenas coisas.

Deixamos o Corvo na certeza de que fizemos parte da verdadeira experiência açoriana: mar bravo, barcos cancelados, paisagens arrebatadoras, aviões que não aterram à primeira e pessoas de braços abertos como nunca encontrámos em mais lado nenhum.

1 comentário:

CAP CRÉUS disse...

É isso tudo que dizes, sem dúvida.
Apenas me faz confusão, porque razão uma ilha com 400 pessoas, tem tanto carro.
:-)