A minha experiência açoriana no Corvo não pode ser resumida numa lista de dicas. Talvez por ter sido ainda a minha primeira visita, fui verdadeiramente surpreendida.
As vistas são de cortar a respiração, a vila é pitoresca, claro, a insularidade sente-se, mas o isolamento, totalmente ao contrário do que eu esperava, sinceramente não. As pessoas que encontrámos são inexplicavelmente acolhedoras e concluí que encontro mais isolamento humano entre as pessoas do meu prédio onde vivo há 5 anos, do que encontrei em 2 dias na ilha do Corvo no meio de desconhecidos. Dá para perceber?
* * *
Chegamos ao Corvo no barco Ariel, uma lancha de
12 lugares que no Verão faz a ligação diária com a ilha das Flores.
Este não é o modo mais usado pelos visitantes
para chegar à ilha mais pequena do arquipélago. A maior parte dos visitantes
chega ao Corvo de avião, na SATA, ou em one
day tours programadas desde as Flores que incluem a travessia em
semi-rígido, visita à Vila do Corvo, fotografia no Caldeirão e alguns casos,
exploração de grutas na costa da ilha. Estes tours mostram os higlights do Corvo mas não são a melhor opção para quem quiser fazer trekking na ilha, ou passar lá uma noite.
Vamos no Ariel mas também não é muito rápido ou fácil. No
porto de Santa Cruz das Flores, de onde sai a lancha, não existe bilheteira, muito
menos lugar para deixar mochilas, para isso contamos com a simpatia das pessoas
que só encontramos nestas paragens. Os bilhetes compram-se na internet ou no
RIAC, uma espécie de loja do cidadão açoriana onde se trata de tudo, mas cujo
horário de funcionamento é reduzido no Verão.
E depois, há os cancelamentos
devido a mau tempo.
Não precisa de ser um tsunami: ventos fortes,
ondulação, correntes marítimas, ou algo que dificulte e aumente significativamente o tempo de navegação é motivo de
cancelamento do Ariel.
O mar dos Açores não é para meninos, nem é propriamente o estuário do Tejo, por isso a travessia Flores-Corvo foi tudo menos sossegada. Pude inclusivamente perceber porque o Ariel, com os seus vidros com poucas aberturas e com o acesso ao
exterior pouco recomendado pela tripulação, me pareceu uma espécie de híbrido entre uma lancha e um submarino.
* * *
O Corvo tem 17km2 e toda a ilha corresponde a
um vulcão com uma caldeira no topo, a que chamaram Caldeirão.
Os pouco mais de 400 residentes corvinos vivem na
Vila do Corvo, implantada numa fajã lávica, que constitui a principal
superfície plana desta ilha-vulcão.
É fantástico chegar de barco e sentir que a Vila nos
vai abraçando empoleirada na escarpa.
Tínhamos um quarto marcado na Vila do Corvo. A Vila
é muito pequena e perfeitamente percorrível a pé mas o nosso anfitrião faz
questão de nos enviar uma boleia ao cais.
Apesar da ilha ter apenas 20km de estrada, e sua
estrada mais comprida (a estrada do Caldeirão) ter apenas 8km, reparamos que toda
a gente faz questão de nos dar boleia para todo o lado.
O mesmo se passa à noite quando, depois de
jantarmos num dos 2 restaurantes da ilha, perguntamos ao senhor do restaurante
onde fica a queijaria. Quando ele nos começa a explicar, um outro senhor que lá
estava sentado a ver TV, acaba a cerveja de penalti, levanta-se e diz “Venham
daí, eu levo-vos lá!”. Para além disso, não descansou enquanto não tocou à campaínha
do senhor do supermercado, que entretanto tinha fechado e que rapidamente
voltou a abrir para comprarmos 1L de leite.
De sorriso aberto.
De sorriso aberto.
No Corvo é assim. Ninguém se isola na sua ilha
pessoal.
À noite vai choviscando mas aproveitamos para
dar uma volta na Vila e no seu entrelaçado de ruas estreitas. No Largo do
Outeiro os habitantes juntam-se nos degraus de pedra para partilhar episódios
do dia-a-dia.
Ainda encontramos as fechaduras de madeira, sem
chaves nem trancas, símbolos de uma vida em comunidade, onde todos se conhecem.
* * *
No dia seguinte oferecem-nos boleia, uma vez
mais, desta vez para o Caldeirão, o ex-libris paisagístico da ilha.
O nosso motorista conta-nos que viveu 20 anos
nos Estado Unidos mas regressou com a família para a ilha do Corvo porque aqui
é que é a sua casa. Conta-nos também que já há alguns dias que as nuvens não
deixam ver o Caldeirão, mas que hoje ia ser uma dia de sorte.
À medida que subimos reparo nas pastagens verdes,
a vegetação é rasteira e levantou-se um vento forte.
Mesmo antes de ficarmos sem rede, a meio da subida, recebo uma chamada: a nossa viagem de volta às Flores ao fim da tarde tinha sido cancelada e o barco Ariel só voltaria a navegar dali a 2 dias… Dia de sorte?
Mesmo antes de ficarmos sem rede, a meio da subida, recebo uma chamada: a nossa viagem de volta às Flores ao fim da tarde tinha sido cancelada e o barco Ariel só voltaria a navegar dali a 2 dias… Dia de sorte?
Mas quando finalmente chegamos não tenho a mais
pequena dúvida: sou uma das pessoas mais sortudas do mundo. Do miradouro
observamos a vastidão da paisagem e a imensa cratera de 2,3 quilómetros de
diâmetro e 300 metros de profundidade, apresenta-se como uma das paisagens mais
arrebatadoras e remotas que já vi.
A caminhada dentro do Caldeirão está bem
assinalada. São 4.8km e 2h30 de duração, aproximadamente.
Somos só nós e a Natureza.
O mar parece calmo, mas o vento continua forte.
Enquanto esperamos pelo avião, visitamos os antigos moinhos de vento e a Praia de areia do Corvo. É a nossa sala de espera.
Nós e algumas pessoas vamo-nos juntando nuns bancos de pedra do lado
de fora da pista.
Não há nada que fazer por isso as pessoas vão
trocando vários factos e fazendo comentários sobre o aeroporto e os aviões que ali aterram: que a
pista só tem 800m, que o avião tem 37 lugares, que não é normal mas que hoje vem atrasado, que é difícil aterrar no Corvo
por causa dos ventos, que ali não há margem para erros... e também ouvimos alguns risinhos
nervosos de quem está ali para apanhar o avião.
Eventualmente a SATA surge no meio das nuvens ao longe.
Entre rabanadas de vento mais ou menos fortes vemos o avião fazer a
sua aproximação quase até tocar no chão e levantar vôo outra vez.
Mas à segunda tentativa quando finalmente aterra em menos de meia pista, toda a gente à nossa volta bate palmas e lança “vivas!” de alegria.
Os comentários agora são outros: "Os pilotos da SATA são os melhores do mundo!"
Mas à segunda tentativa quando finalmente aterra em menos de meia pista, toda a gente à nossa volta bate palmas e lança “vivas!” de alegria.
Os comentários agora são outros: "Os pilotos da SATA são os melhores do mundo!"
Dali a meia hora deixo o Corvo num aviãozinho de
37 lugares, de coração cheio, do privilégio que foi conhecer esta gente valente
que me fez lembrar o que é mesmo importante na vida: estarmos em contacto e alegrarmo-nos com as pequenas coisas.
Deixamos o Corvo na certeza de que
fizemos parte da verdadeira experiência açoriana: mar bravo, barcos cancelados,
paisagens arrebatadoras, aviões que não aterram à primeira e pessoas de braços
abertos como nunca encontrámos em mais lado nenhum.
1 comentário:
É isso tudo que dizes, sem dúvida.
Apenas me faz confusão, porque razão uma ilha com 400 pessoas, tem tanto carro.
:-)
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