Potosí situa-se numa planície desolada e é a cidade mais alta do mundo a 4100m de altitude. É igualmente a cidade mais fascinante e trágica da Bolívia.
"I am rich Potosí, treasure of the world, king of the mountains, envy of kings."
A construção de Potosí inteira aconteceu devido à descoberta de prata na montanha aí existente conhecida por Cerro Rico.
O Cerro Rico foi basicamente a fonte de prata mais rica do mundo de tal forma que no início do sec XVII Potosí era nada mais nada menos que a cidade mais rica do império Espanhol ao nível de Madrid e internacionalmente de Londres. Diz a lenda que com a prata descoberta na montanha daria para contruir uma ponte a ligar Potosí a Madrid.
Mas esta riqueza toda foi conseguida com recurso a mão de obra escrava (local ou trazida pelos colonizadores de África)... e cerca de 9milhões de pessoas morreram ao longo de 3 séculos de trabalhos forçados nas minas.
Pelo que há assim um certo sentimento de tristeza misturado nas ruelas coloniais e pitorescas da cidade.
Decidimos visitar as minas onde ainda trabalham muitos homens na extracção de minério (estanho..) na esperança de um dia encontrarem também algum resto de prata...
Perto da entrada das minas levam-nos a um mercado chamado "O Mercado dos Mineiros" onde nos é sugerido que compremos presentes para levar aos mineiros: saquinhos com folhas de coca (explicam-nos que é o único alimento dos mineiros ao longo do dia de trabalho das 10-17h pois lhes dá a sensação anestésica de não terem dores nem fome), bebidas tipo fanta e coca-cola, álcool etílico (96º que usam para oferendas ao "Tio", o deus do minério, e também para beberem), cigarros e dinamite (consta que este é o único sítio do mundo onde se pode comprar dinamite sem uma licença especial).
Depois somos conduzidos a uma espécie de balneário onde nos providenciam roupa de protecção: calças e casaco impermeável, galochas, capacete e foco para pôr na cabeça.
Avisam-nos que vamos entrar num ambiente desagradável e perigoso cujas medidas de segurança são muitas vezes deixadas ao cuidado de forças sobrenaturais....
O nosso guia é muito simpático e num inglês perfeito explica-nos que o seu pai e irmão também trabalham numa mina como a que vamos visitar.
Dentro das minas percebemos que são constituídas por uma "avenida" principal por onde andamos e onde passam os troleys (sobre carris) com os minerais para o exterior. Depois existem ramificações que levam às chamadas "paragens" onde os mineiros trabalham.
O ambiente é poeirento, o chão molhado onde por vezes submergimos os pés, o tecto é baixo onde por vezes temos que nos agachar para passar. Quanto mais descemos mais abafado o ar, mais alta a temperatura.
Não encontramos muito mineiros a trabalhar (hoje é fiesta em Potosí), o que à partida os turistas apontam como um facto negativo...
Mas para mim é menos uma sensação negativa... não imagino como seria encontrar gente a trabalhar nestas condições (recebendo 5€ por semana), e nós ali a torná-los numa espécie de atracção turística... Já foi o suficiente encontrarmos 2 mineiros na sua pausa a meio do dia e vê-los a encher a boca com folhas de coca levadas por nós....
Antes de saírmos, visitamos o "Tio", o senhor do submundo e dos minérios, ao qual devem ser feitos sacrifícios de modo a que os mineiros possam encontrar minerais, enriquecer e claro, sair das minas com vida.
Para garantir que o "Tio" tem saciada a sua sede de sangue são feitos sacrifícios de lamas à entrada das minas. Para além disso são-lhe oferecidas folhas de coca, cigarros e alcool pelo menos 1 vez por semana.
Ainda que o "Tio" esteja relacionado com divindades pré-columbianas, não há dúvida que também deve muito à crença cristã e qualquer semelhança com representações demoníacas do anti-cristo não podem ser apenas coincidências.
Se há um Céu e um Inferno, as minas de Potosí são certamente o Inferno...
Os mineiros e a população da Bolívia no geral são hoje praticamente todos cristãos. Mas se quando estão à superfície da Terra adoram Cristo e a Virgem participando nas suas festividades e eventos religiosos, quando vão trabalhar dentro do mundo subterrâneo das minas é certamente ao "Tio" que pedem os seus milagres.
3 comentários:
gostei muito das fotos e desculpa lá,ainda mais do texto, dos melhores, senão o melhor que por aqui li...parabéns
excelente relato das minas de Potosi. Adorei!
ADOREI!
Já tinha ouvido (visto) falar destas minas mas não sabia exactamente a sua história.
De facto, é triste ver pessoas com uma esperança de vida curta e a receber 5 euros por semana por um trabalho de escravidão consentida.
Coitados, não comer o dia todo e andar sempre a mascar coca. Deve ser doloroso para o estômago e nem sequer notam o peso do vazio..
Vou ver o resto.
Gosto das fotos.... Interessante ver como os "impérios" chegam ao que são hoje..
Enviar um comentário