O Parque Nacional das Dolomites de Sesto é um dos locais imperdíveis numa visita às Dolomites. A sua singularidade deve-se não somente à esplêndida paisagem mas também ao seu valor cultural e histórico pois foi neste local que aconteceram importantes batalhas entre a artilharia italiana e austríaca durante a 1ª Guerra Mundial.
Hoje, é impressionante pensar em que condições teriam aqui chegado ambos os exércitos, sem trilhos definidos, sem qualquer ajuda mecânica e como terá sido difícil passar o inverno a esta altitude sem abrigo. Pensei nisso várias vezes enquanto subia o Monte Paterno de mochila às costas e quando, no dia seguinte, regressámos a pé debaixo de um nevão como até ali nunca tinha experimentado.
Mas
começando pelo princípio, de manhã cedo chegamos ao Rifugio Auronzo (2320 m) onde
deixamos o carro. A estrada de Misurina até ao refúgio é uma estrada muito
panorâmica que está aberta de Maio a Outubro e é necessário pagar uma portagem
para percorrê-la.
Do
Rifugio Auronzo seguimos o sentiero 101 que segue sempre muito plano
junto à base dos 3 Picos. Este trilho é na prática um estradão usado por jipes
que levam mantimentos ao Rifugio Lavaredo (2345 m) onde chegamos 45 min depois.
O céu está nublado mas as vistas são maravilhosas.
Para
subir à Forcella Lavaredo (2445 m) seguimos por um trilho bastante inclinado e ao
longe avistamos pela primeira vez o Rifugio Locatelli onde passaremos a noite.
Existem várias opções, relativamente rápidas, para chegar ao refúgio, no entanto escolhemos a via ferrata Innerkofler, um dos percursos mais evocativos do complexo das Dolomites de Sesto, que através de um sistema de túneis e trincheiras de guerra atravessa grande parte do maciço do Monte Paterno.
As
galerias vão-se sucedendo. No seu interior existem algumas “janelas” laterais
que permitem a entrada da luz e oferecem vistas muito sugestivas para o
exterior. O tecto é muito baixo e as janelas muito espaçadas por isso é
fundamental levar capacete e lanterna.
O
troço final da via ferrata, que nos leva ao topo do Monte Paterno (2746 m), é
praticamente vertical mas está bem equipada com cabos de aço que ajudam à progressão.
Do topo vemos a imponente muralha dos Tre Cime di Lavaredo por entre as nuvens,
Património Natural Mundial da UNESCO. É um bom local para sentar e aproveitar a vista.
Dali
para a frente seria sempre a descer.
Descer
uma via ferrata é muito mais complicado do que subir, principalmente com
mochila, e às vezes é preciso parar um pouco para ganhar coragem e analisar a melhor maneira de encarar a descida. Mas apesar de termos encontrado várias pessoas, com mais e menos
experiência, de várias nacionalidades e idades, nunca notei impaciências,
vontades de ultrapassar, nem o contrário. Sempre foram todos muito corteses e reina o espírito de entre-ajuda. Isso
é o mais importante para evitar acidentes.
Chegamos
ao Rifugio Locatelli, ou Dreizinnenhütte, (2405 m) na parte da tarde.
O
refúgio é um edifício de 3 andares em que no piso térreo se encontra a
recepção, um bar e um restaurante/cantina e nos pisos superiores vários quartos
de várias tipologias, desde os duplos e triplos mais privados até aos
dormitórios tipo enfermaria, com vários corredores de beliches duplos, tantos
quantos couberem dentro da divisão.
Ao
jantar os hóspedes são agrupados nas várias mesas da cantina e segue-se um
festim de iguarias como nunca encontrei nem imaginei encontrar num refúgio de
montanha: desde o cesto de vários pães, a sopa ou pasta que por si só já era
uma refeição inteira, seguida do prato de carne ou peixe à escolha e da
sobremesa, café ou chá. Será suficiente dizer que depois todos tivemos que rebolar em
direcção aos dormitórios.
Partilhámos
mesa com um casal de americanos nos seus 20 e muitos, e com uma dupla muito interessante de
pai-filho alemães. O pai, que já passava dos 80 anos, não falava inglês e como
nós infelizmente não falamos alemão, muito menos os americanos, o filho fez o
favor de ir traduzindo as suas histórias ao longo da noite. Contava-nos, entre
outras coisas, da sua paixão por montanhas e como o Rifugio Locatelli estava diferente da primeira vez que lá tinha
estado, há 50 anos atrás.
Os refúgios de montanha têm sempre características acolhedoras, mas nunca tinha estado num tão confortável.
Nem com esta vista.
No
dia seguinte as montanhas de Tre Cime di Lavaredo estavam literalmente
irreconhecíveis e o Rifugio Locatelli de repente localizava-se num cenário
totalmente branco de neve e nevoeiro.
Depois
do pequeno-almoço delicioso e reconfortante, entre ter que libertar o lugar no
dormitório (esgotadíssimo) e ver as condições meteorológicas a degradar-se a
cada 10 minutos que passavam, vestimos os impermeáveis e decidimos pôr-nos a
caminho.
Não foi possível seguir pelo caminho mais longo inicialmente pensado e a possibilidade de escorregar fez com que cada passo custasse muito mais a dar que no dia anterior. Foi um bom exemplo de como as condições climatéricas condicionam a nossa experiência na montanha.
Não foi possível seguir pelo caminho mais longo inicialmente pensado e a possibilidade de escorregar fez com que cada passo custasse muito mais a dar que no dia anterior. Foi um bom exemplo de como as condições climatéricas condicionam a nossa experiência na montanha.
Também foi
uma daquelas experiências que "formam o carácter".
Quando
chegámos ao Rifugio Auronzo, 1h30 depois, de pés ensopados e com os
impermeáveis começando a ceder, percebemos que não estávamos equipados para
estas intempéries.
Mas mais tarde, de volta ao lago Misurina, olho para trás e penso: "Cada vez gosto mais disto”.
Só posso estar a ficar maluca.
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