12 de junho de 2014

border freak freaking out

Ainda não atravessei fronteiras suficientes para deixar de me entusiasmar com uma fronteira. Dá-me adrenalina aquela sensação de mostrar o passaporte, o ar sisudo dos oficiais das fronteiras, e gosto daqueles momentos em que atravesso a terra de ninguém, a pé de mochila às costas, enquanto vou pensando no país que ficou para trás e no país que vem a seguir... Sou border freak.

Gosto de fronteiras. 
Principalmente quando se nota a diferença de um lado para o outro.
Na fronteira entre o Tibete (China) e o Nepal estava no sítio certo. Nunca estive numa fronteira onde se notasse tanto a diferença. 

Pois então, chegamos à fronteira chinesa sabendo que muito provavelmente a nossa bagagem seria revistada em busca de items pouco patrióticos (para a China) que seriam confiscados imediatamente, por exemplo: a bandeira do Tibete, guias de viagem sobre o Tibete ou fotos do Dalai Lama. 
Nós só tínhamos um Lonely Planet Tibet embrulhado em roupa suja dentro da mochila.

Mas quando chegamos, nada de revista, só perguntam se temos livros.
Decidimos mostrar as Viagens do Marco Polo “Isso não nos interessa” e o Rough Guide da China, que foi todo folheado e “Desculpe, não vai poder levar o livro consigo”. Porquê? “Porque temos problemas quanto a não estar incluído um capítulo de Taiwan que como sabe faz parte do território chinês, o que faz com que este livro seja ilegal na China.”

... Oi? 

Já sabia que era assim, mas arrisquei dois dedos de conversa com a oficial que mal falava inglês e heis que chegamos a uma solução de compromisso: Ela arrancaria as páginas do livro que ofendem a China e eu guardaria o resto do livro como souvenir.
Foi assim que fiquei sem metade da China.

a china que ficou para mim                a china que ficou para ela
          


A parte da adrenalina deu-se depois quando ela perguntou se tínhamos mais livros. 
Respondendo "Não", colocamos a mochila no raio-X, com o Lonely Planet Tibet embrulhado em roupa suja lá dentro. 
Não deram pelo livro proibido mas eu senti-me como uma traficante de droga.

Pensando que o pior tinha passado e já vendo o Nepal do lado de lá da porta, seguimos para o guichet do carimbo nos passaportes. 
Mas os nossos passaportes, esses sim, foram confiscados.
Aparentemente havia um erro de copy paste, relativamente à nossa nacionalidade, nos nossos permits de viagem no Tibete (escritos em chinês). Os mesmos permits que já tinhamos mostrado tantas vezes a outras autoridades: ao entrar no comboio para o Tibete, ao chegar a Lhasa, antes de chegar ao campo base do Everest e nas dezenas de checkpoints militares pelo caminho.

Mas só soubemos qual era o problema depois de esperar mais de 1h sem ninguém nos conseguir dizer nada, porque ninguém fala inglês.
Durante esse tempo todo, só consegui ver as autoridades chinesas a esbracejar e a gritar com o nosso guia tibetano enquanto ele se encolhia. Não gostei.

Não pude deixar de pensar que se o guia fosse chinês, o erro de copy paste talvez tivesse sido relevado.
Depois de 1h devolvem-nos os passaportes e bruscamente “Já temos prova que vocês são realmente portugueses”. Somos autorizados a deixar a China.

Enquanto atravessamos a ponte da amizade a pé, penso na última imagem do chinês a gritar com o tibetano e como isso poderia muito bem resumir a situação actual do Tibete. E isso entristece-me. 
Olho para trás, uma última vez, mas já não encontro nada. O "meu" Tibete encantado ficou para trás, algures por cima das nuvens.

Em pouco tempo já estamos do lado nepalês a regatear um minibus que nos levará até Kathmandu.
Tal como na China, passamos por inúmeros checkpoints militares durante a viagem.
Mas quando me perguntam de onde sou, ao responder e apresentar o meu passaporte, nem olham para ele, pedem-me para o guardar, aproveitam para falar de futebol e sorriem sempre muito “Namaste, welcome to Nepal!”. 

Sorrio também. Sinto que cheguei a casa.

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